quarta-feira, novembro 23, 2011

Cuidado com eles

o cenário: Aconchego do meu lar

a cena: Eles estão se multiplicando. Eles estão ficando mais ousados. Eles não têm hora para atacar. Quando você menos espera, eis que, do outro lado da linha, aquela voz de timbre e sotaque inconfundíveis chama o seu nome. Antes, eles atacavam apenas no horário comercial. Agora a abordagem pode ser feita até depois do Jornal Nacional. Como um operador de telemarketing ousa me incomodar na hora da novela? Além do horário “estendido”, eles estão cada vez mais abusados. Outro dia, um deles me ofereceu a assinatura de uma revista. Educadamente – porque sou uma moça muito fina – recusei. Ele perguntou o motivo. Suspirei e, mesmo achando que a conversa já estava longa demais, expliquei que não gostava da publicação. “Ah, mas se a senhora não gosta, é porque não leu direito!”. Abusado, não? Só não mais abusado do que a moça que importunou minha médica num sábado, às oito da manhã. A doutora questionou o horário e disse que foi acordada pelo telefone. Do outro lado da linha, com uma voz indignada, a operadora de telemarketing respondeu: “Mas EU estou trabalhando!”. É, realmente, trabalhar aos sábados pela manhã e ainda ser odiada por 99% do seu público-alvo não deve ser fácil.

moral da história: Quando eles ganham confiança, ninguém segura.

sábado, novembro 12, 2011

A garota da foto

o cenário: Álbum do Facebook

a cena: O mundo virtual é engraçado. Assim como o mundo real, ele vive de moda – ou tendências, que é uma palavra mais em voga. A moda agora é o Facebook. Nos primórdios, foi o ICQ e seu “ô, ô”. Mais tarde, surgiu o Orkut, mas o hit do momento é o face. Pois foi no perfil do meu segundo pai que me deparei com o passado. Uma foto minha de 2005 me mostrou uma garota com o rosto descansado, a pele bonita, pintada de praia. Quase não reconheci. O sorriso ainda é o mesmo, mas o conjunto da obra... quanta diferença! O tempo passou e eu não tinha visto, até o face me mostrar. Eu sei que muita coisa boa aconteceu nos últimos seis anos. Sei também que hoje sou uma pessoa mais feliz, mais experiente e que, nesse tempo todo, aprendi uma porção de coisas e esqueci outras tantas. Sei que aparência não é tudo e que a gente precisa conviver com os sinais do tempo e tirar proveito deles. Tá bom, tá bom, sei de tudo isso. Mas que eu queria aquele rosto de volta, ah, isso eu queria...

moral da história: O tempo passa para todo mundo, até para você.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Identidade secreta

o cenário: Retorno na via L2 Norte
a cena: Todos os dias, faço o mesmo retorno na Asa Norte. E todos os dias, faça chuva ou faça sol, passo por uma faixa anunciando o almoço barato do restaurante da esquina: “Self-service com churrasco, R$ 11,90 por pessoa, à vontade”. Com esse preço, o dono do restaurante que me perdoe, mas só consigo imaginar um frango mal passado e uma picanha bem dura. Agora dura mesmo é a vida dos dois infelizes que ficam segurando a faixa no gramado central da pista. Um de cada lado, às vezes em pé, às vezes sentados no chão, os dois garantem que a faixa será vista por todos os motoristas sem o risco de ser arrancada pela fiscalização. Para se proteger dos humores do tempo (e talvez do risco de serem reconhecidos), os dois usam casacos com capuz. Eu nunca tinha visto o rosto desses pobres trabalhadores, até que o mormaço de meio-dia fez com que a pessoa do lado direito revelasse sua identidade. Enquanto eu esperava o sinal abrir, pude observar a menina com pouco mais de 18 anos, cara de criança, maquiagem carregada. Os olhos bem marcados e o cabelo preso com vários elásticos eram acompanhados de uma cara de poucos amigos. Roupa preta, pulseiras prateadas e tatuagem. No dorso da mão, a menina com cara de criança e emprego desumano trazia um desenho enorme de uma folha de maconha. Corajosa, pensei. E inconsequente. No dia seguinte, procurei pela moça da apologia escancarada, mas só encontrei um vulto encapuzado. Chegando mais perto, pude ver que o corpo era de um homem. Do outro lado da faixa, identifiquei uma mulher mais velha. Por onde andaria aquela garota? Será que foi demitida por ter exposto sua ‘figura’ em serviço? Será que estava gastando seu mísero cachê no self-service com churrasco? Será que estava de folga? Meu palpite é que a menina tatuada se cansou de respirar fumaça de carro e resolveu buscar outros ares (e fumaças) pra fazer a cabeça. Fez bem. Ela não tinha nada a ver com aquela faixa.
moral da história: Nem sempre a gente não pode mostrar tudo o que a gente é.