quinta-feira, novembro 10, 2011

Identidade secreta

o cenário: Retorno na via L2 Norte
a cena: Todos os dias, faço o mesmo retorno na Asa Norte. E todos os dias, faça chuva ou faça sol, passo por uma faixa anunciando o almoço barato do restaurante da esquina: “Self-service com churrasco, R$ 11,90 por pessoa, à vontade”. Com esse preço, o dono do restaurante que me perdoe, mas só consigo imaginar um frango mal passado e uma picanha bem dura. Agora dura mesmo é a vida dos dois infelizes que ficam segurando a faixa no gramado central da pista. Um de cada lado, às vezes em pé, às vezes sentados no chão, os dois garantem que a faixa será vista por todos os motoristas sem o risco de ser arrancada pela fiscalização. Para se proteger dos humores do tempo (e talvez do risco de serem reconhecidos), os dois usam casacos com capuz. Eu nunca tinha visto o rosto desses pobres trabalhadores, até que o mormaço de meio-dia fez com que a pessoa do lado direito revelasse sua identidade. Enquanto eu esperava o sinal abrir, pude observar a menina com pouco mais de 18 anos, cara de criança, maquiagem carregada. Os olhos bem marcados e o cabelo preso com vários elásticos eram acompanhados de uma cara de poucos amigos. Roupa preta, pulseiras prateadas e tatuagem. No dorso da mão, a menina com cara de criança e emprego desumano trazia um desenho enorme de uma folha de maconha. Corajosa, pensei. E inconsequente. No dia seguinte, procurei pela moça da apologia escancarada, mas só encontrei um vulto encapuzado. Chegando mais perto, pude ver que o corpo era de um homem. Do outro lado da faixa, identifiquei uma mulher mais velha. Por onde andaria aquela garota? Será que foi demitida por ter exposto sua ‘figura’ em serviço? Será que estava gastando seu mísero cachê no self-service com churrasco? Será que estava de folga? Meu palpite é que a menina tatuada se cansou de respirar fumaça de carro e resolveu buscar outros ares (e fumaças) pra fazer a cabeça. Fez bem. Ela não tinha nada a ver com aquela faixa.
moral da história: Nem sempre a gente não pode mostrar tudo o que a gente é.

2 Comments:

Blogger Eu said...

Sejam bem-vindas, minhas pílulas! E esperar que churrasco a R$ 11,90 tenha picanha - dura, gorda, magra - é esperança demais. Com ou sem fumaça na cabeça :)

Beijo grande!
Raquelita

3:27 PM  
Blogger Zethi said...

Eu acho que você deveria experimentar a comida do restaurante. Sobre a menina, é falta de pai e de mãe. Ninguém pode aceitar que se tatue (é assim mesmo?) uma folha de maconha na mão.

3:58 PM  

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